Lula livre, Barrabás e “já é Natal…”

A soltura de Lula após a decisão do STF sobre a prisão em segunda instância é residual. Decisão muito mais preocupada em blindar os próprios ministros e esse governo podre. E que vem não por coincidência apenas depois do sequestro neoliberal do Estado brasileiro facilitado por decisão oposta que a corte proferiu em 2016.

No ano seguinte, 2017, Temer quis celebrar o natal neoliberal prematuramente com um indulto bem generoso para vários criminosos do colarinho branco, mas o clima inquisitorial ainda não permitia esse luxo. Em 2019, com a segurança jurídica do golpe consolidada democraticamente após nossas míticas eleições, a suprema corte não só validou o decreto de Temer em maio, como também suspendeu em julho todas as investigações do COAF (órgão desfigurado em seguida) sem autorização judicial por ocasião do HC de Flávio Bolsonaro no caso Queiroz, e agora praticamente decreta seu próprio indulto natalino que não favorecerá só Lula. E vem mais por aí, pois o próprio Bolsonaro já antecipou que concederá o indulto a policiais presos injustamente, quando há bem pouco tempo declarava, ainda em meio àquele clima moralizador e inquisitorial, que era contrário ao indulto.

Mas por que esse paralelo com o indulto, no Brasil tradicionalmente concedido como presente de Natal? Há um duplo registro histórico e hermenêutico acerca do indulto. O indulto é uma libertação em tempo de festa, mas também uma tática de controle social. A história de Jesus funde os dois registros: durante a festa da Páscoa acirrava-se o movimento social em torno daquele agitador. Pilatos solta Barrabás, mas também Jesus, lavando as mãos. Assim também as mãos dos juízes foram lavadas quando Toffoli joga a responsabilidade para o legislador. Curiosamente, Lula serve de coringa para os dois personagens e é além da insistência na sua condenação pela “direita” ou na reafirmação de sua fatídica liderança pela “esquerda” que precisamos pensar. Pois esse figurino é antigo, ele se presta à carnavalização da sociedade, não com o potencial de subversão que desejava Bahktin, mas enquanto promíscua solidariedade entre lei e transgressão que Bataille identificou, apesar de ter ficado enfeitiçado por ela. Zizek e Agamben, neste ponto específico, contribuem com críticas certeiras, o primeiro sobre o império do gozo capitalista a qualquer custo (esses “arrependimentos” políticos pertencem a uma tal “economia libidinal”…) e o segundo sobre o estado de exceção como regra.

Não é a toa que a festa do Carnaval, nos sambódromos e blocos de rua, vem sofrendo ameaças, não por um aparente choque fiscal-moral, mas por uma sublimação mais profunda do espírito carnavalesco na sociedade brasileira. O tom de brincadeira está institucionalizado: declara-se um AI-5, depois se desmente; a prisão muda de instâncias como uma ciranda muda de sentido; primeiro se defende aguerridamente o mito, depois surge uma onda completamente anódina, para não dizer hipócrita, de arrependimentos ou despertares… Enquanto nossa liberdade for baixada por decisões deste governo que tá aí não temos nada para comemorar.

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