Questão de ordem! …ou seria de balbúrdia?

Os tempos são tão bizarros que nos obrigam às vezes a reflexões bizarras. Por exemplo, num mesmo texto falar de TROTSKI e… deus me perdoe… Olavo de Carvalho… Ou então de ter de comentar esses tweets grotescos, fofocas disfarçadas de intelectualismo, de pensamento político, social… Triste.

Mas é um ex-comandante do Exercito o autor da peça tweetesca em que chama Olavo de “Trotski de direita” porque “substituindo uma ideologia pela outra não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas Brasileiros”. Oi?

Mesmo se a intenção é operar uma suposta inversão, COMO comparar uma toupeira raivosa com um dos líderes e pensadores REVOLUCIONÁRIOS mais importantes da HISTÓRIA??? Como começar a tentar entender isso? Ora, segundo o próprio comandante, trotskismo de direita deve ser “substituir uma ideologia por outra” sem contribuir para “soluções concretas”. Nisso, conseguimos reverter a inversão: supondo que Olavo queira substituir uma ideologia por outra, melhor continuar com a ideologia (ACÉFALA!!!) vigente… aquela que contribui com soluções concretas – e aí termina a suposição, porque estamos sentindo concretamente a marcha dessas soluções sobre o povo brasileiro.

Óbvio que isso não é defender Carvalho. Isso é só um texto em estado de choque pela comparação dele com Trotski. Muito menos defenderei Trotski, pois ele se defende sozinho.

Segundo algumas biografias, a palavra alemã “trotz”, da qual Liev Davidovich Bronstein forja seu “nome de guerra”, significa coragem, atrevimento. Talvez somente numa confusão dos significados dessa palavra pudesse residir aquela comparação. Mas enquanto um é um atrevido temerário que simplesmente joga SUA MERDA no ventilador o tempo todo, o outro é um atrevido com consciência social e política profundas que investe sua coragem em favor de um programa revolucionário. Essa diferença, coragem (de cor-ação) e temeridade, é de cunho aristotélico e não astrolavélico…

Ideólogos?
Mas qual o problema com ideologia? Ora, o próprio comandante confessa que não adianta substituir ideologia. Entretanto, a ideologia que deve permanecer é a vigente, a ideologia das soluções concretas… No fundo, a milenar oposição entre matéria e pensamento que o IMBECL-mór, que se diz filósofo, nem percebe.
Por isso, não nos assustemos com a palavra, mas perguntemos pelo conteúdo das ideologias.
Um não tem ideologia alguma (e esse “vazio existencial”, como diz o comandante no mencionado tweet pode ser ele mesmo uma ideologia…), é arraia-miúda disfarçada de intelectual; é lumpen-intelectual (para brincar com uma categoria marxista, o lumpesinato).
O outro, sim, influenciado pelo marxismo, tinha uma sólida ideologia chamada “revolução permanente” que aqui não cabe comentar (e que nem tenho conhecimento total para fazê-lo). É suficiente dizer que a ideologia da revolução permanente foi uma constante pedra no sapato do movimento socialista russo, que fazia Trotski se desentender com as principais lideranças, Lenin e Martov, depois Stalin, que fazia ele se afastar de postos burocráticos, que fazia dele um perseguido político desde a difícil infância judaica numa Rússia ortodoxa até o ativista incansável, várias vezes preso, refugiado, assassinado. Essencialmente antibelicista, conduziu, sim, em armas, o Exército Vermelho, amplamente formado pelo povo, para assegurar a Revolução principalmente em seu solo.

Soluções concretas?
Antes de concretizar (em meio ao povo e não como mero ditador) a revolução de 1917, ensaiada em 1905, o atrevimento e a coragem de Trotski se faziam sentir de um modo muito peculiar: na promoção e organização de GREVES!!!

GREVE JÁ!!! GREVE GERAL! A COMEÇAR PELAS UNIVERSIDADES!!!

Ta aí nossa solução concreta. PAREMOS DE “QUERER DAR SOLUÇÕES”!!! SIMPLESMENTE PAREMOS!!! GREVE!!!

E não era só greve… Os movimentos sociais que culminaram na revolução também implicaram não pagamento de impostos e retirada do dinheiro dos bancos!!! Isso sim seria concreto. Atrevido. E assustador… sim, poderia se seguir uma BALBÚRDIA, mas e se ela fosse mais do que nunca NECESSÁRIA???

Os tempos são bizarros a ponto de termos em Reinaldo Azevedo uma voz crítica importante atualmente… Ele também criticou a comparação. E como ele, muitos analistas apontam que vivemos uma “crise de liderança”. Pra mim é mais embaixo: uma crise de responsabilidade geral (EM TODO MUNDO, TODOS NÓS) que a democracia liberal enquanto regime político tem constitutivamente potencial para provocar. Por isso, clamar por uma liderança é mais um indício de que não temos responsabilidade por nós mesmos, nós democratas. Mas foda-se, aceitemos que faltam lideranças… Pois bem, se Trotski conseguiu liderar o povo (EM MEIO AO POVO, repito) à Revolução e à balbúrdia dos eventos entre 1917-1920/21 na Rússia, espremido entre um Czar e um ditador sanguinário, ele é um modelo preferível de líder a esse circo orquestrado via Twitter, liderado não por comandante, por presidente, por ideólogo, mas por uma sombria ideologia que se teme substituir…

* Sobre a balbúrdia nos anos seguintes a revolução russa. Sim, existiu o excesso da revolução, mas nos referimos a coisas como o Código de Leis sobre casamento, família e tutela de 1918. Tal código depois revisto por Stalin, aprovava casamento do mesmo sexo, descriminalizava a homossexualidade, o aborto, ampliava o divórcio, etc. Os governos totalitários depois chamaram isso de “bolchevismo sexual”, anarquia sexual… Hoje, balbúrdia.

Deixe um comentário