Moro, Moura, Mourão e Marighella

Apesar de compartilhar com Moura algumas opiniões (doxa, no melhor e pior sentido grego), seguem algumas suspeitas sobre seu debut como diretor de Marighella a partir da entrevista do BdF. A forma aqui é de curta independente com um prólogo e três partes.

Prólogo
Embora sejam tempos difíceis, hoje devemos celebrar a pluralidade de narrativas! (O coro festeja!) Temos a de Moro, a de Mourão, a de Moura…

I
Para autenticar sua “narrativa” (como gosta de dizer) ele ironiza uma suposta surpresa com relação ao panorama político atual. Que Flávio Bolsonaro tenha envolvimento com milícias. Que Bolsonaro fale ridiculamente em Davos. Que aquecimento global seja associado a marxismo cultural. “Qual é a surpresa nisso tudo?” Pergunta retórica. Nenhuma surpresa. Mas ele ao mesmo tempo confessa várias vezes uma “grande e temível” surpresa: a verdade acabou. Ora, se não há surpresa com aquelas coisas, esta aqui também não deveria surpreender. Que “a verdade tenha acabado” não é um fenômeno inerente àquilo tudo? Moura sabe disso? Não sabe? Sabe e manipula esses “estados” como ator?…

II
Porque, não sei se só em mim, surge um desconforto ao vê-lo confortavelmente gastar algumas “verdades” naquele sofá em que concedeu a entrevista. Que tipo de indignação é a dele? Minha impressão: uma indignação serena (pra não dizer cínica) que não quer incomodar ou se incomodar muito. (Ter fascínio por revoltas populares, mas não ter a índole de pegar numa arma… Sim, apontar nisto uma contradição é falacioso. Ninguém precisa ser ativista para simpatizar com revoltas. Mas no contexto geral, é suspeito.) Ela [a serena indignação] precisa não se surpreender em grande parte para se dar ao luxo de uma pequena surpresa, um pequeno incômodo: a verdade acabou. Talvez seja um pequeno incômodo para a causa esquerdista do ator/diretor ser apoiado pela Globofilmes. Aliás, é muito leviana a generalização dos artistas como “naturalmente” “progressistas” ou esquerdistas, ou coisa que o valha. O artista pode sim representar muitos papéis. E talvez esse seja o talento inequívoco de Moura aqui em jogo.

III
“Vejam, não é um documentário”, diz o próprio Moura. (Diga-se de passagem: o documentário existe, feito em 2001 por Silvio Tendler). Mas aqui se trata de uma ficção (ou narrativa) baseada na biografia feita por Mário Magalhães. Com isso, Moura pretende exibir uma preocupação social: tornar o filme acessível ao grande público, por causa dos recursos de ação e de ficção. Até porque também será transmitido como minissérie pela Globo… Ora, apresentar ficcionalmente uma história na época em que a verdade acabou – isso não é a suma coerência de Moura dentro da sua aparente contradição? Suma coerência: mercantilização (para ficar bem na fita: democratização) de narrativas. E isso ajuda ou embaralha o pensamento crítico que ele alega defender?

The end

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