PEQUENOS EXCREMENTOS SOBRE BOLSONARO E O MITO FUNDADOR FREUDIANO
Bolsonaro faz lembrar o mito fundador freudiano da primeira horda exposto em “Totem e Tabu” (1913). Ele se parece com a figura do pai dessa horda. De certo modo, conserva traços da independência libidinal do primeiro pai, chefe ou líder: diz e faz o que quer livre de quaisquer freios ou laços e por isso é tão amado quanto temido. Aí vem o complô dos irmãos que culmina no assassinato do pai. Eles o matam não por moralidade, mas por inveja, porque afinal se identificam com ele.
Bolsonaro sofre o “assassinato do pai” – ou a tentativa de assassinato, não importa. O fato é que com o atentado Bolsonaro morre, o pai morre. Ele some dos debates, mas apenas foi para os bastidores. Transforma-se então do temível pai em totem, mito, deus. “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” é um lema que condensa religião e sociedade, ambas derivadas do parricídio instituidor do clã totêmico, segundo Freud. Ambas fenômenos de massa associados a um líder (führer) que pode ser uma pessoa ou uma ideia.
Em “Psicologia das Massas e análise do eu” (1921) Freud associa o fenômeno de massa, o mito da primeira horda e o complexo de Édipo. A tese central desse texto de Freud é a profunda relação entre psicologia de massa e psicologia individual: “…a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social” (p. 14). Naquilo que o líder representa em termos egóicos ele é objeto da identificação geral; naquilo que essa identificação generalizada tem de castrada para cada indivíduo em particular ela se transforma em identificação reativa de igualdade entre todos – taí nossa “democracia”.
A igualdade fundante da sociedade também está na cumplicidade de todos no parricídio e na identificação erótica de cada um com o líder (simultaneamente totem e tabu). O fato de a horda comer o pai morto é o ápice dessa afeição. O golpe da faca, no entanto, não consegue fatiar seu corpo mais que espalhar suas fezes e são elas que são avidamente abocanhadas neste banquete instituidor da sociedade. Nasce a sociedade bostejante. Da qual eu gostaria de excluir os adeptos do scat como aqueles que, em tese, sabem discernir os tipos de bosta.